Pedalar em jejum faz bem mesmo?

Ciclistas têm fixação por peso, de uma forma que muitas vezes beira a obsessão. É preciso ser magro, perder peso, para pedalar mais rápido — ou apenas para ficar bem na foto com bermuda de lycra (mas a maioria não vai assumir isso). Em uma mesa de ciclistas, é comum ouvir desgastantes papos sobre dieta. Recentemente venho me surpreendendo com a frequência com que meus colegas falam e postam nas redes sociais sobre jejuar, como se fosse o hábito mais normal do mundo. Treinar sem comer nada, quem diria, virou moda.

Entretanto quais os reais benefícios — e, principalmente, os perigos — de subir na bike e fazer esforço físico intenso sem ingerir nada? “Nos dias de jejum minhas pedaladas são leves”, me jurou um amigo, para quem “leve” significa treinar umas duas horas de manhã e comer algo só depois de chegar ao trabalho.

Algumas semanas atrás vi nas redes sociais um moça magra, jovem, que pedala com bastante regularidade postar sobre seus treinos em jejum como se estivesse postando sobre algo trivial. E, semana após semana, reparo em suas fotos cada vez mais franzina. Um sinal vermelho acendeu em mim — talvez meus colegas ciclistas estejam exagerando, e estressando o organismo de uma maneira não muito recomendada.

Resolvi bater um papo com a nutricionista (e ciclista fortona!) Patrícia Campos Ferraz, da Cínica Move, de São Paulo. Patrícia é formada pela USP (Universidade de São Paulo), com mestrado em ciência dos alimentos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, doutorado em biologia funcional e molecular pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e pós-doutorado na Escola de Educação Física e Esporte da USP. E, como ciclista há anos, ela entende também como pensa esse tipo de atleta.

Antes de responder às minhas perguntas, ela fez algumas considerações sobre a prática e as pesquisas em relação ao jejum intermitente. “Embora os resultados desse tipo de jejum sejam animadores em animais e em humanos, seus protocolos são feitos quando os indivíduos mantêm atividade física espontânea, e não sessões de treino vigorosas, como os ciclistas”, diz Patrícia. “O significado da alimentação para o ser humano é muito complexo e a prática sistemática de  jejum pode trazer sentimentos e comportamentos alimentares inadequados”, afirma ela.

Ou seja, bom senso ainda é o mais indicado para se evitar modismos — moderação também.

Afinal, pedalar de estômago vazio faz bem? Em que situação?
PATRÍCIA CAMPOS FERRAZ: Pedalar de estômago vazio só interessa se há necessidade de perder gordura ou de melhorar o controle metabólico em indivíduos com sobrepeso, obesidade e síndrome metabólica. Para indivíduos sadios, pedalar em jejum certamente vai afetar o desempenho, que é diretamente relacionado à disponibilidade de carboidratos. É certo que fazer jejum traz adaptações metabólicas que aumentam a queima de gordura e diminuem a dependência do carboiderato, mas isso acontece às custas de desempenho. Pedalar forte em jejum não dá.

Para quem não precisa perder peso, há alguma vantagem em pedalar em jejum?
Se não há necessidade de perder peso, não há por que fazer jejum, a não ser por questões de ordem prática como ter comido bem na noite anterior ou treinar para competições em condições extremas onde haja risco de não ter suprimentos necessários. A falta de nutrientes, notadamente de carboidrato, vai  diminuir o quociente respiratório durante o exercício, em favor de um metabolismo mais oxidativo — e a velocidade de produção de ATP, energia química para as células, será menor. O ciclista vai sentir isso na watagem (watts, ou potência, das pedaladas) e na percepção de esforço durante o treino.

Pedalar é uma atividade de alto gasto calórico. Não há riscos em sair de bike para um treino sem comer nada, depois de uma noite toda sem se alimentar?
Sim, há riscos de uma hipoglicemia que, em casos extremos, pode ocasionar desmaio, falta de atenção, desidratação e até mesmo acidentes.

Quais os cuidados que se deve tomar ao se adotar o jejum antes do treino? 
Se for treinar em jejum, certifique-se de estar bem hidratado, não só em relação a água, mas à ingestão de sódio (sal), que é muito perdido no suor. E evite fazer jejum nos dias de maior volume ou intensidade. Prefira fazer isso nos treinos leves, regenerativos, se sua intensão é perder peso ou melhorar os quadros metabólicos como síndrome metabólica ou resistência à insulina.

Há jeitos menos agressivos para o corpo perder peso?
Sim. Por exemplo, restrição calórica intermitente, ou seja, alternar dias de consumo normal com restrições calóricas que variem de 25% a 50% do valor calórico total. O melhor procotolo de todos, entretanto, é ter ajuda de um profissional para acertar os ponteiros e encontrar  um esquema alimentar que abranja suas expectativas, seus gostos, seus treinos e seu metabolismo. Ou seja, encontrar uma orientação que faça sentido para você e que não necessariamente siga modismos, tendências ou dietas radicais, ainda que elas tragam benefícios do ponto de vista biológico. Alimentação engloba também fatores psicossociais importantíssimos que devem ser considerados em qualquer prescrição dietética!

 

Erika Sallum – https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2018/06/12/pedalar-em-jejum-faz-bem-mesmo/

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