Exercício e câncer: teoria ou prática?

Neste ano, completo uma década treinando pacientes oncológicos. O conceito de atendimento que criei, baseado nas evidências científicas disponíveis da época, posteriormente nomeado Oncofitness, mostrou-se eficiente e seguro, transformando-se em sinônimo da rotina de exercícios realizada por pessoas com câncer. O que antes era tido como impossível, hoje é considerado uma ótima ferramenta de intervenção no manejo do câncer.

Os anos passaram e o treinamento evoluiu junto com a Ciência que o permeia. Entretanto, mesmo diante de tanta informação e relatos que atestam esta prática, ainda enfrento questionamentos básicos por parte de pacientes (o que é bem aceitável) e por profissionais da área de saúde (o que não deveria acontecer mais). Poderia respondê-las a partir de minhas experiências profissionais. Mas como tenho um compromisso com a Ciência, não me sinto a vontade em extrapolar os resultados obtidos nestes meus atendimentos para uma determinada população com câncer – para isso que existem os estudos científicos. E é neste sentido que vem o primeiro questionamento: “O que a Ciência nos mostra é teoria e tem pouco valor, o que vale mesmo é a prática. Duvido que um paciente oncológico seja capaz de realizar o que estes estudos propõem”.

É essencial entender, para contrapor esta ideia, como uma intervenção clínica é realizada. Os pacientes que participam das pesquisas são iguaizinhos a você. São selecionados da sociedade e padecem das mesmas limitações físicas, emocionais e de tempo que qualquer pessoa com câncer sofre. Eles são muitos (certos estudos contam com mais de mil), não são números fictícios e também não moram dentro do laboratório. Precisam pegar uma ou mais conduções para treinarem, cuidam dos filhos e netos, trabalham, cozinham e cuidam da casa, ficam cansados, tem depressão por causa da doença, sentem dores e apresentam inúmeras limitações físicas. Sim! A amostra de uma pesquisa clínica é composta por gente como a gente! E, além do mais, todas estas dificuldades são relatadas e passam por análises estatísticas para ratificar ou não a viabilidade e segurança desta intervenção em uma população com as mesmas características. 

Aqui também cabe uma explicação sobre outra controversa: a estatística. De maneira simples, no meio científico, para se legitimar uma intervenção é necessário que esta tenha um índice de sucesso maior que 95%. Quando lemos que o p do estudo foi de 0,03, significa que a probabilidade (p) da intervenção dar certo é de 97% (ou 3% de chance de dar errado) e, portanto, será aceita. Se o p for de 0,07 (chance de sucesso de 93%) esta intervenção será rejeitada – não poderá ser prescrita. Portanto, quando utilizamos a rigidez da Ciência na escolha do treinamento, temos a garantia que esta intervenção foi testada em uma população semelhante e que a chance de ela não ser efetiva é menor que 5%. Qual o índice de sucesso de uma experiência profissional pessoal quando extrapolada para uma população com as mesmas características? Ninguém sabe. 

Aliás, esta experiência profissional é ótima para “afinar os instrumentos” e deve ser valorizada. Com ela fica mais fácil identificar as expectativas do paciente e transmitir a confiança necessária para o êxito da intervenção. Facilita também adaptar o treinamento as limitações impostas pelo câncer. Quanto mais experiência o profissional carrega mais fácil será o ajuste do conhecimento científico às singularidades da pessoa com câncer. 

Uma coisa é certa, não dá para acreditar e difundir que não há prática na Ciência. Seguindo esta linha, no meu próximo texto comentarei sobre outra frase que é recorrente: “Os resultados das pesquisas sobre exercício e câncer foram obtidos por uma ínfima parcela da população com câncer que é capaz de treinar. Duvido que a maioria dos pacientes oncológicos seja capaz de realizar o que estes estudos propõem”.

Aconselho, para quem quer entender melhor os conceitos discutidos aqui, a leitura do livro “Ciência Picareta” de Bem Goldacre (Ed. Civilização Brasileira).

Até a próxima…
Prof. Rodrigo de Araujo Ferraz
Professor de Educação Física da Clínica Move

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